
Acompanhar o dia-a-dia de um país que se pauta não só por leis jurídicas, mas principalmente por regras religiosas foi no mínimo curioso. Nunca fui uma católica praticante e confesso que poucas crenças me comovem a ponto de acreditar nelas. Com o islamismo não foi diferente, mas o respeito pela cultura e pelos hábitos aumentou bastante. Esperar encontrar homens-bomba e fundamentalistas em cada esquina seria uma ideia um tanto formatada por estereótipos que compõem as cabeças mais vazias. Radicais existem em qualquer cultura e religião, mas não configuram entre a maioria, como já era de se esperar. O que se vê por todos os lados são pessoas disciplinadas e orientadas por padrões extremamente respeitosos, morais e éticos, pelo pouco que pude observar.
A submissão feminina de fato existe e fica evidente quando vemos os olhos baixos de todas as mulheres ao cruzarem com qualquer homem pela rua. Devem, sim, obediência aos maridos e literalmente carregam o peso da casa e da família nas costas. Aos homens cabe unicamente a função de prover meios de sobrevivência e ditar as regras. Sociedade machista? Se olharmos sob o viés de uma cultura que levanta a bandeira de igualdade entre os sexos, sim. E, em grande parte, concordo com isso. Fui educada para ser inteligente e independente, sempre atrelando as duas condições. Por isso, não conseguiria viver sob as regras de uma religião tão castradora quanto o islamismo, quando o assunto é a liberdade feminina. No entanto, a disciplina de um povo que se ajoelha em qualquer lugar cinco vezes por dia fazer as orações previstas impressionou.
A pobreza de Marrocos, no entanto, chocou algumas vezes. Pensar que ler os clichês de qualquer pseudo-articulista nos prepara para ver realidades assim é se iludir, de certa maneira. Acostumada a estudar os problemas sociais do Brasil, falar em pobreza estrutural e discutir o assunto em algumas aulas nos dá uma espécie de falso conhecimento. É verdade que nunca cheguei aos locais mais críticos do Brasil, mas o que me deixou mais chocada na terra dos Tuaregues foi a aparente uniformidade da pobreza. Enquanto no Brasil temos altos – escandalosamente altos – e baixos – igualmente inacreditáveis – em Marrocos todos parecem viver na mesma realidade. Isso, à primeira vista, torna o dia-a-dia menos cruel, mas em contrapartida, parece transformar o país inteiro numa espécie de grito de socorro.
O fato de as pessoas tentarem a todo custo conseguir alguns dirahms das mochilas viajantes revela bem mais do que um simples aproveitamento de turistas desavisados. Aquilo, de fato, é um modo de vida. Os meninos do Rio jogam bolinhas no sinal. Os meninos de Marrocos colocam uma iguana no ombro e posam para foto, criando a estética perfeita para as imagens conceituais que figuram em diários de viagem. Cada qual a sua maneira e guardadas as devidas proporções, são dois países com o mesmo problema, igualmente cruéis e com mais coisa em comum do que se pode imaginar, com o detalhe de estarem separados por um oceano de distância.
A vontade de ir mais para o Sul da África continua existindo, mas é necessário o mínimo de preparo. Uma coisa que Marrocos ensinou é que não se pode querer fazer turismo em locais com cotidianos tão crus e sair imune. Se a sensação de impotência já se faz presente diante da tela do cinema, viver as realidades mostradas em filmes como “O Jardineiro Fiel” e “Hotel Ruanda” deve ser bem mais chocante, mesmo que seja uma experiência temporária. Fato é que não se pode querer ser Rachel Weisz em filme de Fernando Meirelles só por vontade. É necessário, principalmente, ser humano em demasia, no sentido mais completo e complexo da palavra.
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