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Cores da Medina
Com a ida para o deserto negociada na volta da noite anterior e a saída marcada para meio-dia, tivemos a parte da manhã para conhecer Fez. Um guia apresentado pelo pessoal do hotel foi o encarregado de nos levar numa incursão informativa pelas ruas percorridas horas antes, no escuro e sem os detalhes que dão vida aos lugares. O turismo em Marrocos parece ser um negócio de família: um conhece o outro, que conhece mais alguém, que acaba te levando para ver uma cooperativa… Essa era a sensação que se tinha ao acompanhar os apressados passos do guia, que andava pela Medina trocando palavras em árabe com diversas pessoas.
Entrar nas cooperativas para ver o trabalho realizado pelas pessoas passava a ser quase um dever de turista e assim fizemos em duas delas, até deixarmos
bem claro que não queríamos mais ver lojas. Na primeira delas, de tapetes, fomos recebidos com toda a simpatia e cordialidade com que se recepcionam os compradores em potencial. Depois de desenrolada uma quantidade imensa de tapetes das mais variadas cores e tamanhos, tomamos chá de hortelã e dissemos que gostávamos muito do trabalho, mas não levaríamos nada. Incrível como a receptividade sumiu em poucos minutos e fomos despachados em dois tempos. Ao que parece, o Mohamed da tapeçaria não aprecia o tipo de turismo estudantil que estávamos fazendo: via-se tudo e comprava-se quase nada.
Mais uma cooperativa para ser vista mas, desta vez, os artigos eram em couro. Vista de cima, a curtiçaria parecia uma colmeia multicolorida. Inúmeros tanques dispostos simetricamente formavam um cenário digno de
qualquer fotografia conceitual. A quantidade de homens tingindo pele e colocando a matéria-prima para secar era grande e a carga de trabalho era suficiente para que eles ignorassem a imensidão de curiosos no terraço. Descer até lá foi o elemento surpresa da visita… Andar por entre os tanques com um senhor me ajudando de maneira um tanto apressada foi uma experiência única. Era uma verdadeira acrobacia pular as poças coloridas e observar tudo ao redor. Alguns homens já pareciam ter as cores das tintas, talvez, por tanto tempo que passam imersos ali. As imagens eram lindas. O cheiro, no entanto, insuportável.
Numa
mistura de cores naturais, com as peles recém-chegadas e os restos de animais, o cheiro era forte o suficiente para fazermos a visita de maneira rápida. Enquanto andávamos pelos tanques, os olhos já cansados não eram desviados das futuras bolsas e carteiras. Dentro de uma sala pequena, duas navalhas em meia-lua cortavam os restos de carne que ainda ficavam nas peles e transbordavam porta afora… Num esforço para não entregar meu – envergonhado, mas inegável – nojo ocidental por meio de expressões, pisava em tudo como se fosse tão natural para mim, quanto para eles.
Um homem em especial me chamou atenção desde que o tinha visto pela primeira vez, do alto do terraço. Trabalhando sozinho num canto dos tanques, o senhor de chapéu grande e cortes precisos talhava o couro já em tons de cor-de-rosa. Como se estivesse numa espécie de universo paralelo, foi um dos poucos que não parou em momento algum para observar os curiosos que passavam por ali. Seu trabalho era importante demais e o tempo não parecia sobrar para dar atenção a nada que não fosse pele, pura e simplesmente. A sensação é que ele sempre esteve ali, compondo o cenário perfeito de uma cidade colorida no trabalho diário de várias pessoas que passam a vida por entre os muros de uma Medina fundada há quase 1200 anos.
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