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Deserto sem estrelas
Já era noite quando chegamos à Rissani e fomos recebidos por uma tribo de Tuaregues, que em árabe significa “abandonado pelos deuses”. Nome sugestivo para uma população que vive entre as dunas e consegue se localizar naquele mar de areia como se houvesse placas pelos caminhos. O frio incoerente com o deserto não atrapalhou em nada o convívio noturno, quando jantamos e dançamos ao som da mais típica música berbere. Extremamente simpáticos e
receptivos, os moradores do Sahara embalaram uma batucada de primeira qualidade enquanto comíamos os pratos que já estavam a nossa espera e que foram rapidamente substituídos pelos passos de dança pouco ensaiados. Sete meses longe do samba deixam qualquer fora de ritmo… Ao que parece, a música berbere faz milagres: foram necessários apenas cinco minutos de batucada para que o Paixão esquecesse do estado letárgico em que se encontrava ao longo da viagem e agarrasse o primeiro instrumento a sua frente. Nem parecia a mesma pessoa que estava passando mal horas antes, sem balbuciar nem meia palavra por mais de quatro horas.
Depois de quase uma hora de festa, era tempo de pegar nos camelos e migrar para o deserto propriamente
dito. Subir num animal daqueles no escuro foi o máximo… Cavalgar – se é que se pode usar esse verbo quando falamos de camelos – duas horas para chegar ao acampamento foi fácil. Difícil foi encarar o frio que não combinava com o lugar em que estávamos. A maior frustração durante a noite foi a ausência daquele céu estrelado que só se vê em filmes… A noite fechada não parecia querer nos agradar com a presença de qualquer astro. Decepcionante para mim, que sempre presto atenção no teto do mundo…
Ao longo do caminho o só deserto era visto em flashes, graças à lanterna que Kiko carregava. Durante as duas horas ainda pude presenciar um caso de amor sahariano: meu camelo não conseguia esconder a forte atração que sentia pelo Kiko e, por isso, passou a viagem tentando morder-lhe a perna ou ter qualquer tipo de contato.
Não adiantou. Nem um cafuné o pobre animal conseguiu... Kiko estava entretido demais com a possibilidade de nos levarem para uma "caixa de areia para adultos". Com direito a um chá para esquentar e uma quantidade considerável de cobertores para passar a noite, jogamos um pouco de conversa fora. Vencidos pelas condições climáticas, no recolhemos para as tendas e fomos dormir numa escuridão que só é possível encontrar ali, no meio do nada. A vontade de ver o nascer do sol por entre as dunas ficou só na intenção mesmo… Quando abri os olhos o sol já estava alto, apesar não poder ser visto por causa da quantidade de nuvens. Pela primeira vez vimos realmente o deserto, já que durante a noite não se enxergava um palmo à frente do nariz. Foi, de certa maneira, frustrante. A sensação de estar sozinha no meio do mundo não existiu, já que se podia ver ao longe outras pessoas, em outros acampamentos.
Com exceção desses pequenos detalhes, a paisagem é realmente bonita. Areia a perder de vista e
alguns poucos vestígios de vegetação formaram um cenário um pouco conhecido, só que em proporções menores. Como sempre fui uma pessoa que se entedia facilmente, não consegui imaginar como seria passar mais de um dia ali… É tudo muito igual demais para empolgar qualquer tipo de exploração. Talvez, por isso, não tenha tido vontade de subir até o alto da maior duna que nos cercava. Tinha
a certeza de que chegaria lá em cima e veria exatamente a mesma coisa que estava vendo alguns metros abaixo. São raras as vezes em que uma nova perspectiva e um outro ponto de vista não me atraem, mas é inegável que isso acontece de vez em quando.
A volta para o encontro com os Tuaregues foi mais divertida: o trajeto feito na noite anterior, às escuras, revelou-se bem mais interessante. Com direito a oásis no meio do caminho e Tuaregues de moto, vimos de tudo um pouco… O frio que fazia foi suficiente para que eu não sentisse mais os dedos, mas nem isso tirou a graça do passeio. Da mesma maneira do jantar na noite anterior, fomos recebidos com música, chá e muita simpatia. Uma combinação que encerrou com chave de ouro a passagem pelo segundo maior deserto do mundo…
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