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Maquete em Terracota…
Catalogado como Património da Humanidade em 1987, o Ksar de Ait Ben Haddou parece uma aldeia pedida no tempo. Andar pelas ruazinhas repletas de comércio é trajeto obrigatório para chegar a um dos lugares mais bonitos que vi ao longo dos dez dias de viagem. Depois de um fio d’água lamacenta, na encosta de um monte, pode-se ver o cenário original onde se passa o filme
“Lawrence da Arábia”, de 1962. Num empilhado de casas aparentemente feitas de argila, uma maquete em tamanho real se exibe a nossa frente. Para chegar lá, no entanto, era necessário atravessar o rio de lama com um camelo, cavalo ou qualquer animal quadrúpede que nos transportasse no dorso. Na tentativa de economizar alguns dirahms e dar um pouco mais de emoção à visita, decidimos dobrar as calças e tirar os ténis para enfrentar uma travessia a pé. Aguentar a água fria foi o de menos. A quantidade de pedras no fundo das águas era o que mais machucava os pés já desacostumados a andar descalços pelas praias e calçadões do Rio, dessa vez, o de Janeiro.
Travessia feita, pés lavados e algumas fotos engraçadas do trajeto, rumamos para dentro da maquete. Com construções que parecem prestes a ruir, Ait Ben Haddou
surpreende. Mesmo não tendo nada de especial, se é que se pode dizer isso sem cometer uma injustiça, a cidade em terracota é encantadora. Com o comércio turístico ativo, como em qualquer outro lugar do país, não se vê muita gente andando pelo labirinto formado pelas casinhas que lembravam João de Barro. Foi ali, dentro de Ait Ben Haddou, que os meninos receberam a primeira e única proposta pela minha pessoa. Numa negociação que começou com cinco camelos, conseguimos valorizar o produto e chegamos à incrível cifra de cinquenta animais em troca dessa pessoa ruiva que vos escreve. Depois de descobrirem minha nacionalidade, passei a valer cinquenta e cinco camelos. Quem achava que o Brasil estava mal, enganou-se. Apesar de ter sido bem tratada pelos meninos ao longo da viagem, confesso que fiquei com medo de eles levarem a brincadeira do local a sério e me deixarem ali para sempre…
O caminho de
volta incluiu a mesma travessia pelas águas lamacentas em que os cavalos passavam rapidamente. Sob o olhar atento de alguns outros turistas, voltamos a outra margem do rio para seguir viagem rumo ao que seria a pior noite de todos os dez dias. Depois de subir e descer as montanhas repletas de neve, paramos para comer alguma coisa numa espécie de restaurante à beira da estrada. De higiene duvidosa, mas sabor indiscutivelmente bom, pedimos o de sempre: Kefta. A aparência suja dos locais já não incomodava mais e, como de costume, comemos bem. Minha maior preocupação em relação à comida não era quanto a uma possível indigestão, mas sim os olhos famintos dos meus companheiros de mesa que me queriam roubar a última rodela de tomate…
Fato interessante é que nosso almoço foi supervisionado por todos os homens que estavam no lugar. Na tentativa de conseguir uma aproximação com a única mesa que tinha uma presença feminina, um marroquino ofereceu comida insistentemente ao Hugo. Um menino de, no máximo, 12 anos não conseguiu disfarçar e passou o almoço inteiro olhando na minha direção. Fosse pela ausência de véu, pela cor do cabelo ou pelo simples fato de ser mulher, a verdade é que nunca me senti tão observada. O pai da criança, numa tentativa de ensiná-lo os bons costumes islâmicos em relação às mulheres, deu-lhe uns três bofetões que serviram para endireitar os olhinhos do coitado, que a partir de então voltou a olhar única e exclusivamente para o prato…
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