terça-feira, 27 de março de 2007

Uma noite “regurgitante”…

Depois de uma série de piadinhas dirigidas a mim por causa de um quase-enjoo nas curvas para Chefchaouen, decidi não comentar mais nada caso isso voltasse a acontecer. Por isso, resolvi ficar calada na segunda metade da viagem rumo à Marraquesh… Os meninos podem não me conhecer há anos, mas ninguém precisa de curso superior para saber que quando eu calo a boca é porque tem alguma coisa errada. E tinha… Não sei se foi por causa das curvas, do trânsito caótico de Marraquesh ou da refeição feita horas antes, mas a verdade é que meu estômago estava às voltas.

Entrar na cidade na hora de ponta e encontrar o trânsito mais confuso que já vi na vida não ajudou a diminuir a ebulição gástrica que começava a se formar. Uma quantidade assustadora de motos, pedestres suicidas e motoristas insanos podia ser vista numa única pista, aparentemente, com todos os sentidos possíveis. Desde bebês de colo já iniciados na vida sobre duas rodas, até quadrúpedes quase motorizados, via-se de tudo… Era um verdadeiro espetáculo sobre todo e qualquer meio de transporte passível de ser usado – nem sempre prudentemente – numa cidade.

Para não excluírmos nada desse circo automobilístico, resolvemos parar direto na estação de trem para que Kiko comprasse o seu bilhete de volta. Menino responsável que é, ele queria chegar em Coimbra no domingo de manhã para estar impecável na segunda-feira, dia de branco na folhinha. Nós, os três menos preocupados com assuntos desse tipo, ficaríamos mais um dia. Ali foi impossível esconder o mal-estar e decidi tomar cinco minutos de ar, mesmo que com altos índices de poluição, enquanto os meninos confirmavam os horários de partida.

Chegamos ao hotel e o que era inevitável aconteceu: depois de largar as malas no quarto, fui a primeira a conhecer os aposentos sanitários do local. Depois do acontecido, considerei-me pronta para ir conhecer a noite de Marraquesh sem maiores preocupações. Escovar os dentes e tomar um banho seriam as últimas medidas para voltar ao estado impecável mantido ao longo dos dias. Se eu achava que meu estômago me deixaria em paz nesse momento, estava redondamente enganada… Com mais alguns incidentes de percurso durante o banho, saí do chuveiro mais limpa e mais magra. Decidida que alguns minutos de sono me deixariam mais tranquila, resolvi deitar e esperar que a natureza fizesse o favor de me deixar em paz, até porque já não tinha mais nada para expelir a essa altura.

Quando levantei para sair do quarto, uma súbita saudade da pia me fez correr de volta para o banheiro e abraça-la por mais alguns instantes. “Pronto. Foi tudo o que tinha que ir… Vamos ao turismo”. Depois de tentar me recuperar com a boa e velha Coca-Cola, lá se foi o refrigerante boca afora minutos depois… A partir dali, o jejum total parecia ser a melhor opção para evitar a volta da Kefta ingerida no almoço. Um passeio pela praça principal da cidade seria suficiente para esquecer a indisposição e dar início à descoberta de mais uma cidade.

Numa espécie de circo citadino, via-se de tudo no meio da praça: malabares, encantadores de serpentes, grupos de música, meninos traçando estratégias para roubar os turistas desatentos… Mais à frente, um amontoado de tendas me fez lembrar a Feira de São Cristóvão, com direito a barracas de comida, sucos e artigos locais. Ficou faltando apenas aquele forro pé-de-serra para que eu me sentisse no point dos subúrbios cariocas. Num surto de ironia fora de hora, Hugo resolve me chamar para comer Kefta. A partir dali, passei a ser a mais uma atração da praça, mas aparentemente não fiz muito sucesso… Enquanto eu vomitava o nada em pleno cartão postal marroquino, todos seguiam normalmente pela noite e meus únicos espectadores eram os meninos. Ao que parece, espetáculos escatológicos do género são mais comuns do que o imaginado… Depois desse último argumento do meu estômago, me dei por vencida e decidi voltar para o hotel para dormir algumas horas a mais que o esperado.

Fazendo turnos de hora em hora no banheiro, consegui entupir a pia e manter Kiko e Hugo acordados. Paixão, entregue aos braços de Morpheu, só se levantou num ímpeto de sonambulismo que foi prontamente interrompido por algumas ameaças de morte. Depois de ouvir um estimulante “Oh, yeah…” como resposta, Hugo quase partiu para cima do dorminhoco, pedindo gentilmente duas horas consecutivas de sono. Quem não permitia isso era eu, mas diante da sugestão do Kiko de me levar a um hospital, até meu estômago ficou intimidado e resolveu sossegar pelo pouco que restava da noite. A verdade é que em Marraquesh, eu pude finalmente entender os conselhos – que foram solenemente ignorados – em relação à culinária marroquina. Eu posso ter batido todos os recordes de quantidade vômito/hora, mas que a comida ainda assim era boa, isso é inegável…
Restaurantes de primeira categoria em que arriscamos nossos estômagos...

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